terça-feira, 27 de setembro de 2011


Ite Missa Est
n.o 5
setembro de 2011

LITURGIA E PERSONALIDADE (II)
Liturgia e a finalidade do homem

O sentido de toda a criação é ser reflexo e glorificação de Deus, o infinitamente poderoso e santo. Toda a criação – montanhas, mar, planta, animal, e também obras de arte do homem, épocas de cultura, uma sociedade e a própria pessoa espiritual – tudo existe para refletir e glorificar a Deus, realizando plenamente a idéia inerente a cada qual e todo o seu valor.
Pois todos os valores, a bondade, a beleza, o fascinante da vida, o esplendor sublime da verdade, a dignidade de tudo que existe, em contrário ao nada, todos os valores são um raio da essência de Deus que é todo santidade. Tudo quanto é bom e belo é um reflexo da Luz Eterna.

Mas não é só o orvalho de cima, é também o incenso que de baixo sobe a Deus: aos valores é próprio um gesto objetivo de glorificação de Deus. Tudo quanto existe louva a Deus pelo seu valor, pela sua preciosidade e beleza. A natureza louva a Deus pela sua beleza; ela fala ao homem de Deus e o inflama para o Seu louvor; mas também da sua própria beleza sobe um louvor silencioso a Deus; e do mesmo modo, de toda obra de arte, de toda perfeita sociedade, de toda verdade e de todo comportamento moralmente bom.
Sendo não somente vestígio, mas imagem de Deus, o homem pode e deve responder com consciência à glória infinita de Deus: na alegria do positivo, no entusiasmo, na veneração e no amor, e, sobretudo, sendo Deus a soma, o centro e a fonte de todos os valores, ele há de amá-Lo adorando-O, e amando-O adorá-Lo.

A adoração amorosa é uma nova dimensão de glorificação de Deus. A dignidade suprema do homem consiste justamente nisto que ele é capaz de adorar e glorificar a Deus conscientemente.
Os valores pessoais mais importantes não acontecem por si no homem. Uma pessoa jamais pode ser boa, se ela não quer o bem, se ela não se alegra com o bem, se não ama o bem.
Uma pessoa não pode tornar-se santa, sem adorar Deus, sem amar Cristo, sem dobrar o joelho diante dEle.
Receber os raios de luz do mundo dos valores e do rosto de Cristo e a resposta consciente à gloria de Deus é a condição para a transformação interior do homem, para o madurecimento dos valores centrais da pessoa e, sobretudo, para a beleza sobrenatural pela qual Deus é objetivamente  louvado e adorado.
Este louvor é tanto mais adequado e essencial, quanto mais perfeito é o homem e mais semelhante a Cristo, quanto mais santo...

A glorificação consciente de Deus é dupla.
No amor a Deus devemos a Deus expressamente um ato de glorificação na palavra do louvor. O amor de adoração é o fundamento disso. O canto de louvor é algo novo e soará também na eternidade, conforme disse Santo Agostinho:

Vocabimus et videbimus,
Videbimus et amabimus,
Amabimus et laudabimus,
Quod erit in fine sine fine.

Celebraremos e conheceremos,
Conheceremos e amaremos,
Amaremos e louvaremos,
O que será no fim sem fim.

O louvor que cantamos a uma só voz com os anjos no Sanctus é ainda uma coisa própria, diferenciada do amor. De certo, o louvor é uma conseqüência do amor que adora; o amor é a alma do louvor. Mas o ato expresso de louvar e glorificar completa e remata o amor a Deus.

Toda a criação louva a Deus objetivamente pelos seus valores (de bondade, beleza, verdade etc.) e encontra nos atos de louvar, glorificar e agradecer a Deus pelo homem a sua realização pessoal e consciente.
A glorificação expressa de Deus é relacionada à glorificação objetiva de Deus através da santidade.

Por um lado: Só o Santo é capaz de entoar o louvor de Deus com valor:
          Quem pode subir à montanha do Senhor?
          Quem pode ficar de pé no seu lugar santo?
           - Quem tem as mãos inocentes e o coração puro.
                                                                                         (salmo 23)

Pelo outro lado: O louvar, glorificar e sacrificar transforma profundamente o homem e o santifica.

A santificação e o amor de adoração andam de mãos dadas e deles resulta organicamente o louvar e glorificar, em especial.
Cantare amantis est. (Agostinho)
Cantar é próprio de quem ama.
A santificação do homem, porém, é impossível sem laudare et glorificare Dominum.

Ora, quem ama e adora a Deus de modo perfeito é somente o Deus-Homem Jesus Cristo. Só Ele é todo santo; só Ele glorifica a Deus de modo todo adequado pela Sua santidade e Suas palavras de louvor. Portanto, o fim ultimo sobrenatural de todo homem é a transformação em Cristo. Só por Ele, com Ele e nEle podemos adequadamente amar a Deus e louvá-Lo.
E podemos tornar-nos santos só na medida em que não vivemos mais em nos mesmos, mas que vive Cristo em nos, quer dizer, na medida em que a vida divina, plantada pelo Batismo, chega ao pleno desenvolvimento em nós. Que Cristo seja formado em nos é a essência de toda a santificação.

Essa transformação em Cristo contem não só a adoração amorosa do Pai com Cristo e em Cristo, mas também a participação na realização do sacrifício de Cristo e na palavra de louvor e glorificação que, validamente, somente Cristo pode dirigir ao Seu Pai celestial.
Na nossa fragilidade e imperfeição podemos já participar no louvor dos anjos, porque, sendo membros do Corpo Místico de Cristo, oremos com Cristo, a cabeça.
E na medida em que realizamos juntos a glorificação do Pai – que tem sido a parte central da vida de Cristo – somos transformados cada vez mais.

Tal transformação que tem seu fundamento na recepção dos sacramentos, acontece também na contemplação amorosa da pessoa do Salvador, na vida e na ação no espírito de Cristo, ao obedecer aos Seus mandamentos, ao seguir-Lhe e tomar a Sua cruz, na caridade ao próximo com Cristo.
Toda a ascese, todo o trabalho a si mesmo, a cada dia, só tem tal sentido.

Um caminho importante, porém, da transformação em Cristo é a participação na Sua glorificação do Pai, o que, exatamente, acontece na liturgia.
É a LITURGIA que nos introduz nos mistérios de amor do Deus-Homem ao Pai, da Sua glorificação do Pai celestial e do amor do Pai aos homens.

A realização consciente e atenta da liturgia imprime à nossa alma o rosto de Cristo. Participando assimilamos as atitudes fundamentais que se cristalizaram na liturgia.


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